Terceirização e tributação

04 abril 2017


O Estado de S. Paulo

04/04/2017 – Na semana passada foi sancionada a Lei 13.429, que reduz fortemente as restrições à terceirização de mão de obra. Sem querer tratar das questões trabalhistas, tenho uma grande preocupação com o potencial impacto do projeto para o financiamento da Previdência Social. Na medida em que trabalhadores que hoje são contratados por empresas que contribuem pelo regime normal de financiamento da previdência se tornem sócios de empresas contratadas (processo conhecido como “pejotização”) ou mesmo passem a ser contratados por meio de empresas do Simples, há o risco de grande redução das contribuições previdenciárias.
Atualmente, as empresas que contribuem pelo regime normal recolhem contribuições à previdência equivalentes a 20% da soma dos salários de seus empregados, sem nenhum teto. Os empregados, por sua vez, contribuem com 8% a 11% de seus salários, observado o teto do salário de contribuição (atualmente em R$ 5.531,31).
Já o sócio de uma empresa arbitra o quanto quer receber na forma de pró-labore, valor sobre o qual incidem as contribuições previdenciárias, e o quanto vai receber na forma de lucro distribuído, sem a incidência dessas contribuições. No Brasil, a maior parte dos sócios de empresas de pequeno e médio portes define o pró-labore no valor de um salário mínimo. Pouquíssimos definem o pró-labore em valor superior ao teto do salário de contribuição.
Outra forma de “pejotização” é a transformação dos empregados em microempreendedores individuais (MEI), cujo faturamento não pode exceder R$ 60 mil por ano (R$ 5 mil/mês). Um MEI recolhe para a previdência mensalmente apenas 5% de um salário mínimo.
Por fim, há a possibilidade de que a empresa que cede os trabalhadores terceirizados seja uma empresa do Simples. Nas empresas do Simples, a contribuição patronal para a previdência é recolhida como uma porcentagem da receita da empresa (que varia segundo o porte e o setor). Embora a legislação do Simples vede a adesão de empresas que realizam cessão ou locação de mão de obra, a própria legislação já prevê exceções, além de haver brechas para que empresas que cedem mão de obra e realizem outras atividades permaneçam no Simples.
Em todos esses casos, é provável que a ampliação do trabalho terceirizado resulte numa redução, que pode ser expressiva, do valor das contribuições para a previdência.
O problema não está na terceirização em si, mas, sim, na multiplicidade de regimes tributários existentes no País. Ainda que a Lei 13.429 esteja longe do ideal, uma maior flexibilidade do mercado de trabalho pode ser positiva, mas jamais deveria resultar em redução da receita previdenciária.
É possível que o governo busque limitar esse problema estabelecendo que a empresa que contrata trabalhadores terceirizados recolha as contribuições previdenciárias sobre sua remuneração com base no regime normal (dispensando a empresa que cede a mão de obra de fazer este recolhimento). Mas essa é uma solução paliativa, pois o problema de fundo está na multiplicidade de regimes de tributação para uma mesma atividade.
Se um trabalhador realiza o mesmo trabalho com a mesma remuneração e tem direito aos mesmos benefícios previdenciários, não faz sentido que a contribuição para a previdência sobre seu trabalho seja diferente em função de ser empregado de empresa do regime normal de tributação, empregado de empresa do Simples, sócio de empresa ou MEI.
A solução para o problema é adotar um mesmo regime de contribuição previdenciária para todas as situações, ainda que estabelecendo um tratamento diferenciado para os trabalhadores de menor renda. Mas esta é uma mudança que vai muito além da discussão sobre terceirização.
*Bernard Appy é diretor do Centro de Cidadania Fisca

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